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Mostrando postagens de 2015

2015: o ano que não terminou

Esse ano não está sendo um ano fácil pra ninguém. Estamos pisando em terras movediças política e economicamente falando. O país vivendo um colapso de governabilidade e credibilidade. E no mundo a insegurança, mesmo que motivada por questões diferentes das nossas, se generaliza: guerras, invasões, populações inteiras procurando abrigo onde a morte fique um pouco mais distante. O que pode ser ilusório, já que ninguém sabe quando vai morrer. Mas também ficar na mira de tanques de guerra é apressar algo que não se quer. A instabilidade é tanta que está difícil se manter são. Parece que o "mens sana, corpore sano" nos abandonou faz tempo. Porque o corpo pode até estar melhor, a expectativa de vida ter aumentado...mas para quem? Para quê? Para chegarmos onde? Não se acredita mais em heróis.  Estes estão cada vez mais humanizados e vulneráveis como todos nós.  Não temos mais uma utopia que nos dê um horizonte para crermos no futuro. O mundo realmente parece caminhar para um lugar

Nem toda tristeza é depressão.

Mas toda depressão é um estado de tristeza desmedida, acompanhada de uma falta de desejo para a vida. Um acontecimento dramático pode desencadear uma tristeza e não propriamente uma depressão. Essa pode acontecer sem nenhum "gatilho" aparente ou com ele, como a morte de alguém , uma separação, ou até mesmo uma grande mudança. O fato é que o limite é tênue e se tem classificado a tristeza, que é parte estruturante da vida, como um mal. Numa sociedade hedonista como a nossa, onde o prazer e a felicidade não têm antônimos, o efeito tem sido exatamente o contrário: a busca desmedida pela plena felicidade está enlouquecendo as pessoas, e a não realização dessa "meta" em todos os níveis da vida tem nos adoecido. O fato é que se há alegria na vida, também há a tristeza. Esta é fundamental para que a gente desenvolva qualidades como resiliência, empatia e senso de realidade. A vida está, de fato, muito difícil. A corrida pelo dinheiro tem nos levado a estados de esgota

Bonner e Maju em Paris: um caso de racismo travestido de qualificação

Passeando pelo facebook vejo a chamada da página do Pragmatismo Político sobre o fato de William Bonner ter designado a moça do tempo, a conhecida jornalista (sabiam que ela era???) Maju, para cobrir a conferência COP-21, Conferência do Clima a ser sediada em Paris . Aqui  da pra ver a reportagem e saber detalhes. O que me chamou atenção foi o número de comentários ácidos e discriminatórios direcionados à "negra que não sabe o que está fazendo ali, provavelmente veio do setor de faxina e serviços gerais e caiu ali de paraquedas". Bom, em primeiro lugar, penso que ela não estaria no horário nobre da emissora, com a qual aliás, não simpatizo, se fosse uma mulher burra. Pois ela já tem um imenso obstáculo: ser negra num país racista. O argumento da vez é a falta de qualificação. Mas de que qualificação se está falando? Se ela está dando a cara pra bater e está sendo aprovada não é que se siga a ordem da indústria e ganhe oportunidades? Ahhh, esqueci que essas só podem ser dada

Depois que me tornei psicanalista

Sou uma jovem psicanalista. Não na idade, mas na clínica. Passei por alguns anos de estudo e quase uma década de análise pessoal, coisas que nunca mais deixaram de me acompanhar, antes de me autorizar a este ofício. (Lacan diz que o analista autoriza-se por si mesmo, algo que gera uma boa polêmica). O fato é que ter me tornado psicanalista tem me trazido poucos benefícios segundo o pensamento da nossa sociedade.  Não me tem trazido dinheiro. Pois quase dois anos na área tem sido praticamente só de investimento: análise,  supervisão, grupos de estudo e muitos livros. Ainda resolvi de cara abrir meu próprio consultório e não sublocar de outro profissional  como é a prática comum.  Acho que pela minha quase meia idade eu me sentiria desconfortável em estar num ambiente que não tivesse algo de mim. E como todo começo,  poucos pacientes ainda. Ou seja, escolhi a profissão errada para ter sucesso financeiro.  No quesito amigos não foi muito animador. Sempre fui uma amiga ouvinte, mas t

Oremos pelo mundo

Oremos Pelo mundo que convulsiona Pela natureza que de tão enojada Vomita seus habitantes em terremotos, tsunamis e furacões  Oremos pelo mundo que não suporta mais tanta extração, extorsão das almas que tentam se refugiar em vão em terras distantes Pois latitude e preconceito estabelecem as fronteiras Oremos pelas crianças, dizimadas na violência dentro seus lares, onde o abandono é amparado pelo que se diz Estado protetor, mas que nada faz a não ser encher os abrigos de meninos e meninas que depois passarão às prisões, tendo nascido e morrido sem ver o sol da justiça. Oremos por essas meninas tornadas mulheres tão cedo por uma sociedade que as vê como objeto obsceno pelos olhares dos estupradores reais e virtuais. Oremos por elas. Oremos pelos meninos sem futuro, que muitas vezes não querem estudar porque aprendem pela tv que virarão estrelas do futebol, fantasia megalomaníaca em uma realidade rarefeita. Oremos pelo mundo. Oremos pelas mulheres, de quem os direitos, que mal estavam a

Uma carta aos meus filhos

Quero dizer a vocês que a vida de adulto é muito chata. Pesada. Tão cheia de obrigações que se a gente não cuidar todos os dias a gente não encontra espaço pra fazar o que se gosta. Deveria ser ao contrário. Mas é por isso mesmo que resolvi escrever umas linhas pra que vocês se lembrem de algumas coisas que são tão importantes e quem é tão jovem nem sabe porque às vezes nunca lhe foram ditas. Vocês serão exigidos muito cedo a decidir o que serão para o resto da vida. Se já souberem, que bom. Se não, não se sintam diminuídos porque todo mundo diz que vocês estão perdendo tempo. É melhor gastar alguns poucos anos no início da vida para descobrir quem a gente é do que adoecer aos 30 sem saber pra onde ir. Porque profissão é amor em primeiro lugar. Não dinheiro. E ponto. Quer ser aviador? Seja. Quer fugir com o circo? Seja feliz. É isso que eu desejo pra vocês. Felicidade. Mas não é a de comercial,  a efêmera. Felicidade vazia é tudo menos felicidade. Ela é algo que se constrói de dentr

A menina que rabiscava livros

Muito introvertida. Silenciosa. Tanto que quem a conheceu depois custa a acreditar. Mas a verdade é que ela não queria viver nesse mundo. Só no da sua imaginação. Que era nevoada e cinza. Ela amava livros. Mas não os tinha. Sua vontade era ler todos os que encontrasse. Mas a sua busca continuou por muito tempo ainda. A biblioteca pública da cidade do interior era o que bastava para trazer algum sorriso àqueles lábios que pouco se mexiam. Não queria gastar palavras, pois era a única coisa que tinha dentro de si. Não havia bonecas, roupas, mimos. Palavras eram o seu bem mais precioso. Por isso ela as guardava para si. As tardes na biblioteca eram libertadoras. Ia desde dicionários a livros de História e romances. Não possuía preconceito intelectual. Seus olhos devoravam textos como bebês famintos, e o que conseguia digerir passava para o caderno a lápis. As outras pessoas a olhavam escrever porque era canhota e possuía aquele maneirismo estranho dos canhotos para pegar no lápis e corr

A psicanálise é elitista?

Uma das coisas que ouço com alguma frequência é de que o tratamento psicanalítico é para quem tem alto poder aquisitivo. Normalmente os menos favorecidos têm acesso pela via de clínicas - escolas situadas em universidades, mas em consultório particular é mais difícil.  O acesso realmente fica mais restrito por causa do valor. A Psicanálise de base freudiana e lacaniana, essas duas vertentes com as quais tenho vivência, tem historicamente uma postura mais distanciada do social. O tratamento visando àquele sujeito único, o que está correto de acordo com a prática psicanalitica, parece que, de tanto individualizar esse sujeito, acaba por retirá-lo do contexto social em que vive. A Psicanálise não tem se ocupado tanto quanto deveria, penso eu, do contexto de vida do paciente que vai para além do familiar ou dos laços mais próximos. Não estou aqui pregando um contrassenso; a escuta analítica é, de fato, do sujeito, do que este sujeito carrega em si, de como o real do corpo simboliza a vid

A análise como uma escolha.

Muitas vezes não conseguimos controlar o mal que nos habita. A raiva tem seu ápice, outras vezes a tristeza. Fazem parte de nós, porque somos seres sombrios muitas vezes. O que pode ser fecundo quando se consegue comunicar que não se está bem, assim como fazer uma breve retirada do espírito de cena, no sentido de procurar se acalmar e ouvir o que o interior tem a dizer. Tem horas que ele é duro. Pois podemos estar insuportáveis pra aqueles que nos amam. É necessário respeitar também o outro e segurar a nossa insatisfação. Porque no fundo ela é com a gente mesmo. Por não saber lidar com a vida que escolhemos e por não ter conseguido realizar certas coisas, por não nos sentirmos queridos, desejados. Então cabe trabalhar pra que seja canalizado para o caminho da sublimação. Para o nosso próprio bem. Pois os dias tem sido negros. O mundo e nossa própria vizinhança recheados de notícias ruins, desgraças,  mortes, injustiça. Não é fácil se manter bem com essa vibe gigantesca. Aguentar a si

Ira: dias de luta...cadê os dias de glória?

Verdade que ninguém é perfeito. Mais verdade ainda que a gente perde a paciência com pessoas, situações e coisas. Até com os pets tem hora que "o bicho pega" (minha gata de 16 anos resolveu fazer cocô e xixi em qq lugar da casa...aff). Se acreditasse em inferno astral acho que poderia estar nele. Mas as pessoas é que estão cada vez mais idiotas mesmo. A gente  chega no caixa de qualquer lugar, dá bom dia, boa noite, whatever e a criatura nem o-l-h-a na nossa cara. Meu cumprimento fez até eco. Cobrador de ônibus idem. Nunca dê dinheiro inteiro porque hj em dia você pode levar um tiro. Na farmácia é capaz de vc precisar de um remédio a mais pra curar o mal estar pela falta de educação do balconista. E por aí vai. No meu caso não é culpa de ninguém.  Estes são só exemplos do que pode dar um start na minha ira. Porque ela faz parte do meu ser. "A ira constituinte do sujeito", vai ser o nome do meu livro de abordagem psicanalítica. Minha analista que o diga. Deve ter

Um pequeno retrato nosso

"Nunca um prefeito pensou tanto no coletivo sem fazer concessões. Marta, que também revolucionou o transporte coletivo em sua gestão, fazia concessões como a construção do túnel Rebouças, por exemplo. Haddad não. Fez aquilo que se faz em toda cidade grande de primeiro mundo, criou dificuldades para os carros e investiu nas bicicletas. Mas como convencer pessoas que foram criadas com a ideia de que carro simboliza o ápice do sucesso e que entram em prestações eternas para ter conforto e demonstrar algum tipo de ascensão social a andar de bicicleta? Um vídeo que circulou nas redes sociais mostra uma bicicleta andando mais rápido do que um carro na Marginal Pinheiros. Em outros lugares do mundo, isso faria as pessoas largarem o carro. Aqui, muda-se de prefeito". O texto completo está  aqui . Peguei esse trecho pois acho que ele resume bem o artigo, disponível ai pra quem quiser ler. Estava andando pelo facebook e me deparei com essa matéria falando sobre a provável derrota

Voltando ao normal...será?

Depois de um dos quinze dias mais acelerados dos últimos anos parece que finalmente meu segundo semestre começa. Reformei minha velha casa (só por dentro ainda) e me mudei há pouco mais de duas semanas. Abri meu próprio consultório. Mas antes de tudo se concretizar eu esperei. Esperei. Esperei muito. E esperar pra ansioso é o mesmo que passar fome pra quem tá de dieta. Um sacrifício. Infernal. Esperei intensamente a volta do meu filho que foi fazer intercâmbio na Alemanha em fevereiro de 2014. Ele já é adulto. Tem 23 anos. Meu primogênito. Mas sou uma mãe que engole a cria. Lacan  que me ature. Mãe sempre quer filho pro perto. Não sou diferente de ninguém. Tô falando das mães de verdade, não de quem tem filho e terceiriza por vontade própria tudo o que diz respeito à criança. Sei que tem muitas que precisam terceirizar. A estas minha homenagem, pois são heroínas em dupla jornada de vida. Bom, mas tava falando da espera. Esperei muito por esse menino. Na minha cabeça ele não che

Dia dos Pais

Esse é o fim de semana dos pais. Quem tem o seu, por favor aproveite. O meu não se deixou ser aproveitado pelos filhos. Não quis. Isso foi o que pensei por anos. Mas ele não pode. Alcoólatra desde os 13 anos. Dá pra imaginar o estrago que isso faz na vida de um ser humano e sua família. Mas a verdade é que como filho a gente só se sente rejeitado, na infância não tem como elaborar isso nem ter nenhuma compreensão da profundidade do problema. E por não deixar a gente se aproximar ele sempre foi sozinho. Herdei essa forte sensação de solidão. Filhos de pais alcoólatras têm poucas lembranças da infância. Pelo menos das boas. Não têm as boas recordações de aniversário, Natal, Páscoa...Essas datas são sempre um martírio pois a pessoa se embriaga e estraga a festa. Ou nem acontece a festa se a pobreza material não permite nem a comida do dia a dia, que dirá festas. Filhos de pais alcoólatras acham todas as garrafas de bebidas lindas. Talvez pra tentar entender a sedução que aquilo ex

O que faz um psicanalista?

Digo que ele começa fazendo mais. Pega na mão do paciente (metaforicamente) e vai com ele a seu destino mostrando as paisagens do percurso. O destino, antes incerto, escuro e assustador, tende a ir se modificando à medida que o analisando se compromete e se esforça em ver os detalhes das paisagens pelo caminho. A viagem começa numa estação conhecida, mas que não era percebida em suas especificidades anteriormente. O analisando vê que uma parede enorme, por exemplo, na verdade tinha uma porta que ele não via, mas estava bem na sua frente todo aquele tempo. Mas quem vê são seus olhos, não os do analista. O que este faz é apenas sugerir que ele olhe novamente para aquele muro e diga o que vê. Às vezes são necessárias várias novas miradas para que as ranhuras, o desgaste do concreto e a porta inédita no imaginário sejam vistos. Conforme o analisando vai enxergando as particularidades do percurso, ele vai soltando, sem perceber, a mão do analista. Já se move no ambiente sem precisar de

Glorificação da barbárie

Esses dias eu li num artigo onde não me lembro mais sobre o filme Tropa de Elite.  Nele falava  da vergonha que o Wagner Moura tem de ter feito esses filmes (foram dois). Porque o tiro saiu pela culatra, com perdão do trocadilho: ele esperava que fosse gerar uma revolta da sociedade diante de tanta violência na tela, mas não. O público aplaudiu de pé a guerra e a brutalidade. Aliás, nem sei se essa informação sobre a vergonha do ator é verdadeira, mas me deixou pensando caso seja. Não estou aqui defendendo bandido nem dizendo que a polícia é santa, pois as duas afirmativas estão erradas. Estou apenas tentando refletir sobre o resultado totalmente contrário ao que se esperava de um filme como esse. Ao que parece, aconteceu uma glorificação da barbárie que acontece dos dois lados dessa moeda chamada relação entre a polícia de elite e o poder paralelo que governa as favelas. Favelas sim, porque acho comunidade um termo construído para amenizar a realidade que se vive ali, já que o poder