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Mostrando postagens de novembro, 2017

A CULPA É SEMPRE DA MÃE?

A psicanálise responsabiliza cada um por sua vida, suas escolhas e sintomas. Então não, não é tudo culpa daquela que te carregou no ventre por quase um ano: deixe sua pobre mãe fora dessa. Uma pergunta de Freud que virou frase de rede social resume bem isso: "Qual a sua responsabilidade na desordem da qual você se queixa?". É bem isso. Por isso às vezes é tão difícil fazer análise: porque a gente dá de cara com a nossa responsabilidade a cada sessão. O psicanalista não te dá dicas de vida nem receita. Ele basicamente te devolve em forma de pergunta algo que você mesmo disse, mais ou menos naquele estilo "tudo o que você disser sera usado contra você", no sentido de que a gente se desvela pela fala, faz um ato falho, um lapso de linguagem na frente do psicanalista. E tem os sonhos... putz! Parece que ressuscitam das tumbas do nosso inconsciente e ficam muitas vezes insuportáveis durante um processo de análise pessoal. Não adianta culpar os outros nem o complexo

O SUJEITO E A FALTA

A psicanálise se presta a apresentar a pessoa à sua própria falta e sua ausência de sentido. Todos temos essa falta que nos constitui, a qual Freud se referia como um objeto perdido a ser encontrado, sentido a ser desvendado. Lacan foi além e situou o sujeito como dividido pelo inconsciente e faltoso desde sempre, embora o desejo humano propicie encontrar durante a vida vários objetos que podem dar uma sensação temporária de completude, mas que logo volta ao estado original da falta. Porque a falta é, ela não está. Ela nasce com a gente. Cada pessoa vai perceber essa insatisfação original de uma maneira, e a psicanálise pode entrar nessa seara no intuito do sujeito se deslocar pela vida mesmo nessa falta. Ela não precisa necessariamente virar uma doença ou um transtorno, embora não seja fácil para nós lidar com ela. Não queremos nunca que haja falta, mas assim mesmo ela se apresenta em toda sua plenitude, na solidão de nós mesmos. O que nos resta é aprender que ela está ali, mas não

AMOR E DEPENDÊNCIA

Dependência tem se tornado uma palavra de cunho pejorativo na sociedade em que vivemos. Na era da autonomia e de pensamentos como "eu me basto", "eu me banco", "não devo nada a ninguém", parece que estamos nos perdendo em algumas coisas. Encaramos a dependência como algo doentio, e ela pode ser mesmo. Só que não é só isso. Lacan disse que "amar é dar o que não se têm a quem não o quer", frase difícil e que rende simpósios até hoje. Mas amar é isso: dar ao outro a minha falta e, com isso, esperar desse outro que essa falta retorne para mim em amor. Só que o outro também é um ser com um imenso buraco no ser, e se relacionar é tentar equilibrar essas expectativas. Amar também é depender em alguma medida. Amamos nossa família; dependemos de estar bem em família para sermos felizes. Amamos nossos filhos; se eles estão tristes a nossa alegria não é completa. Amamos nosso par e dependemos da relação ir bem para que estejamos bem também. Ou seja:

COMPLEXO DE ÉDIPO

O que é isso? A gente ouve falar por aí dessa coisa de "menino gosta mais da mãe" e "menina gosta mais do pai". É isso e não é rs. A gente nasce desejando ser alimentado e sentir o calor daquela pessoa que cuida de nós desde o início. É tudo praticamente instintivo, já que mal balbuciamos sons e somos totalmente dependentes de uma outra pessoa para sobreviver. Lá pela metade do primeiro ano de vida, começamos a perceber que somos um corpo separado daquele que nos amamenta, normalmente a gente é posto na frente do espelho e ouve: "olha neném, que lindo, olha..." e muitas outras frases que, junto com as atitudes de quem nos cuida, nos fazem perceber que somos alguém diferenciado. Isso vai amadurecendo até que lá pelo segundo, terceiro ano de vida, a gente começa novos processos de identificação com o pai, com a mãe, e isso é tão complexo e tão de cada um que vários fatores incidem nisso. O menino começa a perceber que a mãe não é só sua, tem que divi

CRISE DE PÂNICO: UM RELATO

Meu mar, que raramente é liso e calmo, começa a se agitar de uma forma que já sei como será. Sinto as ondas vindo, formando-se cada vez mais fundas e fortes. A vontade de me debater para me salvar toma conta dos meus pensamentos, que ao mesmo tempo são invadidos por um esperar a sequência de ondas acalmar. Me deixo ir. Muitas reviravoltas nauseantes em poucos minutos. A falta do que se agarrar nessa hora se intensifica ao quase insuportável. Entro em estado de choques ininterruptos com o movimento das ondas que parecem não ter fim. Parece que o peito vai explodir tentando encontrar o ar. Uma vaga mais gigantesca me atinge. Outras menores também. E vou sendo direcionada a um patamar onde já sinto o chão de areia nos pés, mas ainda estou sem forças para firmá-los. A sequência delas após aquela gigantesca finalmente me joga na praia. Consigo enfim sentir minha respiração. Desordenada. Engasgada ainda. Mas vai acalmando. Agora escuto mais de longe o bater das ondas. O suor d

O INCONSCIENTE E AS ESCOLHAS AMOROSAS

As nossas primeiras referências de vida são os pais ou quem quer que tenha estado nessa função: avós, tios, mães e pais de criação (algo muito brasileiro), madrinhas e padrinhos, enfim...pessoas que estiveram conosco nos primeiros momentos de vida ou durante a infância e que fizeram em nós as primeiras marcas de amor e de dor. Dessa relação, fica em nós uma espécie de imagem psicológica gravada dessas primeiras impressões. A psicanálise tomou de Jung o termo e conceito chamado "Imago" para falar sobre essa confluência de características psicológicas e mesmo traços físicos, trejeitos, toques, cheiros, maneirismos dessas figuras que nos marcam desde a tenra infância e acabam por se tornar algo que buscamos em todos os outros relacionamentos que teremos ao longo da vida. Mesmo que tenhamos sido criados por pai e mãe, às vezes um avô ou uma tia muito próxima acabou sendo, por uma questão de identificação nossa, mais referencial do que os pais mesmo. Um irmão ou irmã mais velh