Postagens

CABEÇA DE MÃE

Entender a cabeça das mães não é fácil. Preocupam-se além da conta, amam a mais, têm dificuldade de minimizar certas situações que envolvem aqueles por quem daria a vida. Por isso não falo de mulheres com filhos; falo de mães. São duas coisas bem distintas. Muitos companheiros masculinos e mesmo do mesmo sexo que não tiveram essa experiência materna podem ter extrema dificuldade de entender certas coisas que uma mãe sente e vive. E não é facil mesmo. A maternidade real é algo complexo e cheio de curvas. Muitos abismos. Muitas escaladas também. É um terreno muitas vezes árido e outras vezes  inundado de sentimentos contraditórios. Não é facil ser mãe dessa geração atual que  pouco se importa com o semelhante. Parece um mal desse tempo. Há filhos maravilhosos, lógico, mas parece estar havendo uma multiplicação desordenada de filhos ensimesmados e sem amor. Um complexo de Édipo mal resolvido? Excesso? Falta? Vai saber...cada um é uma infinidade de construções e muitas vezes, por mais

A ILUSÃO DO NINHO CHEIO

A gente que é mãe de mais de um carrega umas ilusões. Como a gente passa praticamente duas décadas com a "casa cheia e barulhenta", isso vira um padrão pra gente. E a gente acha que será assim indefinidamente, e não aprende a viver no silêncio. A gente também acha que os filhos serão sempre próximos uns dos outros, os melhores amigos. Pode ser e pode não ser. Esquecemos que também existe ciúme, diferença enorme de temperamentos, do outro ser o preferido, e isso ao longo da vida pode não deixar nascer entre eles a amizade inabalável que a gente romantiza. A gente  acha que sempre nos pedirão orientação, conselhos sobre o que fazer na e da vida, e a verdade é que a vontade de autonomia na maioria das vezes fala mais alto, e podemos nos sentir esquecidos quando na verdade é a vida seguindo o seu curso. Mas isso não quer dizer que a gente não sofra, porque comeca um período de adaptação que a gente não solicitou, o de como começar a viver sem eles. A gente tem  a ilusão de qu

A DOR DE VIVER

Esconder de nós mesmos a dor de viver nos torna cínicos, superficiais e maléficos à propria subjetividade. Sendo cínicos e superficiais, ficamos incapazes de estabelecer canais de palavra plena com qualquer habitante dos quatro cantos. A dor de viver é tão real que dói no real do corpo. Queima o peito, sente-se a alma dilacerando. Mas não se trata de nos tornarmos reféns de uma algoz que nos esmaga, mas de saber reconhecer cada vez que a sua forma de dor furacão se aproxima e, sim, se apodera de nossas forcas e capacidades de levantar momentaneamente. A dor de viver é tão viva quanto a própria vida, e é ela quem sinaliza que não estamos mortos, mas por uns momentos apenas agonizantes pelo vazio e pelo desencontro. Sentir essa dor é estar vivo, é fazer com que ela seja a alavanca para que a vida aconteça de forma sublime...sublimação da dor em ato de viver. Psicanálise pura e simples assim. Crica Viegas

LUTO(S)

O "S" indica que nessa vida muitas coisas morrem: lugares, relacionamentos, fases e pessoas mesmo. Por isso o luto em psicanálise é um tema recorrente. Abordado desde a primeira vez que uma pessoa entra no consultório e senta na poltrona ainda de frente para o analista para fazer sua primeira entrevista. Lidar com perdas não têm receita: cada um age e reage à sua maneira diante de algo que  se foi pra sempre. E normalmente a gente se desespera, não quer deixar ir, se agarra ao passado. Não fazer o luto é isso: manter-se apegado a uma lembrança, a um fantasma. São muitos lutos desde a infância: o desmame, seja do peito ou da mamadeira, a chegada de um irmão ou uma irmã que tira nosso trono do preferido da mamãe e do papai, a entrada na vida escolar onde a pessoa que nos cuida não fica mais full time com a gente, a adolescência,  o abandono desta para entrar na vida adulta e por aí vai. A quantidade e a intensidade de lutos que se faz ou se precisa fazer é de cada um, não

O OLHAR E A SEXUALIDADE

O olhar faz parte da sexualidade, termo esse que, para a psicanálise, é muito mais abrangente do que o ato sexual. Olhar e ser olhado. Olhar o nosso próprio corpo e o corpo alheio. Desde bebês, quando sugamos o seio da nossa mãe ou seu substituto, a mamadeira, instauramos instintivamente o nosso olhar para alguém fora de nós. Esse "olhar - ser olhado" pode imprimir marcas de bons afetos ou de estranhamentos e angústias que podem ter gerado traumas, e isso se diferencia pela história de vida de cada sujeito. O que se ouviu ou viu sobre isso na tenra infância com certeza influenciou atitudes em relação a si mesmo, ao próprio sexo e o sexo do outro. Como assim? Pode ser que você tenha sido surpreendido ao entrar no quarto dos seus pais despretensiosamente quando eles esqueceram de fechar a porta e viu algo que te fez pensar algo ruim sobre isso. Porque pode ter sido flagrado e ter sido repreendido, o que, para alguns, não causa dano algum em nível psíquico; mas pode ser que

FELICIDADE COMO AFRONTA

"A grama do vizinho é sempre mais verde". A gente acredita nessa frase muito mais do que pensa e vive isso como filosofia de vida mesmo sem se dar conta. A verdade é que, muitas vezes, a felicidade do outro nos incomoda, dá um certo desconforto. Um sorriso amarelo. Por quê? Simples: a gente sente inveja. A era das redes sociais elevou isso à milionésima potência: festival de selfies, fotos de cenários paradisíacos, festas e diversão. Muita coisa fabricada, mas muita coisa real também. Porque nesse mundão de meu Deus também existe gente feliz, que se aceita, que tem um relacionamento amoroso legal, ou uma carreira maneira, é bom filho e filha, bom irmão e irmã, bom pai e boa mãe. Mas a gente projeta nossa rejeição e falta de amor narcísico e acha impossível "alguém ser feliz assim", como se felicidade fosse ausência de problemas ou contas a pagar. Isso todo mundo tem, e tem gente que consegue ser feliz apesar da vida. Se a felicidade do colega parece uma afront

QUER SABER MAIS UM POUCO SOBRE FREUD?

Sigmund Freud, aos 70 anos, em entrevista feita por George Sylvester Vierek, em 1930, para ”Glimpses of the Great”. Um homem que tinha em si uma certa amargura, mas também lúcido sobre si e seu tempo. ♦ “Meus 70 anos me ensinaram a aceitar a vida com alegre humildade.” Quem fala assim é o grande explorador das profundezas da alma. Não existe outro mortal que, como Freud, tenha estado tão próximo de encontrar uma explicação para o insondável mistério do comportamento humano. Nossa conversa foi em sua residência de verão em Semmering, nos Alpes austríacos. Freud tinha a face contraída, como se estivesse sofrendo. Sua mente permanecia alerta, sua cortesia continuava impecável, mas fiquei alarmado com a pequena dificuldade que demonstrava ao falar. Tinha se submetido a uma intervenção cirúrgica devido a uma doença maligna na mandíbula superior. Desde então, leva implantado um aparelho para facilitar a articulação. ‘”Detesto essa mandíbula mecânica. A luta com esse mecanismo me faz