FELICIDADE COMO AFRONTA

"A grama do vizinho é sempre mais verde". A gente acredita nessa frase muito mais do que pensa e vive isso como filosofia de vida mesmo sem se dar conta.

A verdade é que, muitas vezes, a felicidade do outro nos incomoda, dá um certo desconforto. Um sorriso amarelo. Por quê? Simples: a gente sente inveja.

A era das redes sociais elevou isso à milionésima potência: festival de selfies, fotos de cenários paradisíacos, festas e diversão. Muita coisa fabricada, mas muita coisa real também. Porque nesse mundão de meu Deus também existe gente feliz, que se aceita, que tem um relacionamento amoroso legal, ou uma carreira maneira, é bom filho e filha, bom irmão e irmã, bom pai e boa mãe. Mas a gente projeta nossa rejeição e falta de amor narcísico e acha impossível "alguém ser feliz assim", como se felicidade fosse ausência de problemas ou contas a pagar. Isso todo mundo tem, e tem gente que consegue ser feliz apesar da vida.

Se a felicidade do colega parece uma afronta, se a gente está com dificuldade de aceitar a felicidade do outro em determinada coisa, provavelmente é nessa coisa que a gente se sente fracassado, menor, e sente inicialmente uma raiva que a gente põe debaixo do tapete e segue. E aí vem a questão: o problema, então, não está no outro, mas como eu me vejo a partir do que vejo nele.

O nosso referencial de conhecimento próprio é  sempre o outro, desde bebês quando acontece o que Lacan descreveu como "estádio do espelho": a gente só toma consciência do que é quando vê nossa imagem projetada do outro lado. E a gente leva isso para a vida, onde esse outro que a gente vê como num espelho vai sempre ser um ponto de comparação.

O que pode ser bom, mas nem tanto. Se por um lado, ter no outro uma boa referência sobre o que fazer em muitos aspectos da vida pode ser saudável, por outro, entrar numa espiral de comparação e competição pode tornar a gente muito infeliz. E é isso que a cultura vende e a gente compra prontamente: o melhor emprego, a melhor roupa, o melhor relacionamento, mas tudo baseado num jogo infértil, e não no "melhor para mim".

Portanto, a felicidade do outro so deixará de afrontar quando a gente parar de querer fazer concurso de felicidade com os outros.

Como diz a canção, deixemos de coisa e cuidemos da (nossa) vida.

Psicanálise pura e simples assim.
Crica Viegas

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