LUTO(S)
O "S" indica que nessa vida muitas coisas morrem: lugares, relacionamentos, fases e pessoas mesmo.
Por isso o luto em psicanálise é um tema recorrente. Abordado desde a primeira vez que uma pessoa entra no consultório e senta na poltrona ainda de frente para o analista para fazer sua primeira entrevista.
Lidar com perdas não têm receita: cada um age e reage à sua maneira diante de algo que se foi pra sempre. E normalmente a gente se desespera, não quer deixar ir, se agarra ao passado. Não fazer o luto é isso: manter-se apegado a uma lembrança, a um fantasma.
São muitos lutos desde a infância: o desmame, seja do peito ou da mamadeira, a chegada de um irmão ou uma irmã que tira nosso trono do preferido da mamãe e do papai, a entrada na vida escolar onde a pessoa que nos cuida não fica mais full time com a gente, a adolescência, o abandono desta para entrar na vida adulta e por aí vai. A quantidade e a intensidade de lutos que se faz ou se precisa fazer é de cada um, não há um padrão.
Se já é difícil lidar com uma perda, com uma sucessão delas pode parecer insuportável. E é. Perder tira pedaço, dói alucinatemente, arranha o amor narcísico. A gente se debate, não aceita, culpa os outros. Mas luto é algo que ninguém pode passar pela gente, é algo da mais profunda solidão.
E é nessa solidão horrorosa e necessária que a gente pode ter uma chance de se enxergar, de perceber como tem agido na vida até ali: se a gente cria automaticamente uma relacao de dependência total no amor e na amizade, se é um membro da família chato que ninguém quer por perto muito tempo ou aguenta alguém assim indefinidamente, se no trabalho a gente é aquele que puxa tapete ou sempre tem ele puxado, enfim, perceber situações que se repetem e a gente não consegue evitar porque a gente não se dá conta na hora que faz ou que permite que façam.
Talvez uma grande perda na infância ainda agrave nossa reação perante algo ou alguém a deixar pra trás. Freud disse num escrito seu que a gente repete ações que nos prejudicam quando a gente não lembra o fundo daquilo porque permanece no inconsciente. E mais: não basta lembrar, é necessário elaborar os traumas recém passados ou remotos para que haja alguma chance de olharmos para as perdas por uma outra ótica. O que não tem nada a ver com deixar de doer: as perdas continuarão machucando, os lutos continuarão sendo sofridos, mas podem sair um dia da categoria de insuportáveis, quem sabe.
A psicanálise não promete felicidade. Mas nos ajuda a limpar as lentes com as quais olhamos a vida e a desembaçar o espelho pelo qual olhamos a nós mesmos.
Psicanálise pura e simples assim.
Crica Viegas
Por isso o luto em psicanálise é um tema recorrente. Abordado desde a primeira vez que uma pessoa entra no consultório e senta na poltrona ainda de frente para o analista para fazer sua primeira entrevista.
Lidar com perdas não têm receita: cada um age e reage à sua maneira diante de algo que se foi pra sempre. E normalmente a gente se desespera, não quer deixar ir, se agarra ao passado. Não fazer o luto é isso: manter-se apegado a uma lembrança, a um fantasma.
São muitos lutos desde a infância: o desmame, seja do peito ou da mamadeira, a chegada de um irmão ou uma irmã que tira nosso trono do preferido da mamãe e do papai, a entrada na vida escolar onde a pessoa que nos cuida não fica mais full time com a gente, a adolescência, o abandono desta para entrar na vida adulta e por aí vai. A quantidade e a intensidade de lutos que se faz ou se precisa fazer é de cada um, não há um padrão.
Se já é difícil lidar com uma perda, com uma sucessão delas pode parecer insuportável. E é. Perder tira pedaço, dói alucinatemente, arranha o amor narcísico. A gente se debate, não aceita, culpa os outros. Mas luto é algo que ninguém pode passar pela gente, é algo da mais profunda solidão.
E é nessa solidão horrorosa e necessária que a gente pode ter uma chance de se enxergar, de perceber como tem agido na vida até ali: se a gente cria automaticamente uma relacao de dependência total no amor e na amizade, se é um membro da família chato que ninguém quer por perto muito tempo ou aguenta alguém assim indefinidamente, se no trabalho a gente é aquele que puxa tapete ou sempre tem ele puxado, enfim, perceber situações que se repetem e a gente não consegue evitar porque a gente não se dá conta na hora que faz ou que permite que façam.
Talvez uma grande perda na infância ainda agrave nossa reação perante algo ou alguém a deixar pra trás. Freud disse num escrito seu que a gente repete ações que nos prejudicam quando a gente não lembra o fundo daquilo porque permanece no inconsciente. E mais: não basta lembrar, é necessário elaborar os traumas recém passados ou remotos para que haja alguma chance de olharmos para as perdas por uma outra ótica. O que não tem nada a ver com deixar de doer: as perdas continuarão machucando, os lutos continuarão sendo sofridos, mas podem sair um dia da categoria de insuportáveis, quem sabe.
A psicanálise não promete felicidade. Mas nos ajuda a limpar as lentes com as quais olhamos a vida e a desembaçar o espelho pelo qual olhamos a nós mesmos.
Psicanálise pura e simples assim.
Crica Viegas
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