A BANALIZAÇÃO DO BULLYING
"Vítima de abusos e bullying em sua escola na Califórnia, a adolescente Rosalie Ávila, de 13 anos, tirou a própria vida: "sou feia e perdedora", escreveu ela em um bilhete encontrado pelos pais depois da tragédia. Rosalie tentou se matar na terça-feira passada e, na sexta, teve sua morte cerebral declarada. Foi mantida conectada até ontem para que seus órgãos fossem doados, informou a imprensa local".
Notícias como essa estão cada vez mais indo para um lugar que deveria ser impensável: o lugar comum. O suicídio juvenil, algo que se via com muito alarme em notícias não tão frequentes, até porque a imprensa em geral tinha um acordo tácito de não divulgação desse tipo, virou uma epidemia alardeada aos milhares nas redes sociais.
Parece que, desde pequenos, na escola, nossas crianças não estão conseguindo elaborar o chamado "narcisismo das pequenas diferenças": aquilo que vejo no outro como num espelho e rejeito impiedosamente, rechaçando esse outro que, na verdade, é parte do que eu mesmo sou.
Crianças cada vez mais novas têm tirado a própria vida por não suportarem a prática da maldade contra elas por iguais como algo natural, maldade essa que vai das palavras a atos físicos de violência. O sentimento de humilhação não tem nem tempo cronológico de ser elaborado, pois em menos de 24 horas ele será reforçado, quando chegar na escola no dia seguinte.
Não podemos mais negar que, após a era dourada do humanismo pós-guerras, estamos retornando ao nosso estado brutal, ao nosso instinto de destruição mais primitivo, cada vez mais civilizados em tecnologias e bens materiais e barbarizados nos sentimentos. Tanto desenvolvimento e tanta violência: essa conta não fecha.
Numa atmosfera onde impera a brutalidade, salvam-se justamente esses: os que encontram na agressividade uma forma de comunicação deformada, como se fosse um disco ao contrário, no qual aparece um idioma ininteligível e meio assustador.
Freud disse que justamente a inteligência da humanidade era a qualidade que a salvava de seus piores instintos. Estamos emburrecendo e ficando tão embrutecidos a ponto de não enxergar o mal que tantas vezes praticamos sorrindo?
O significante bullying entrou em nosso vocabulário e parece que nos acostumamos com ele a partir daí. Por mais que se façam campanhas nas escolas e outros lugares frequentados por crianças e jovens, há um imenso movimento contrário chamando de mimimi a dor de quem sofre esse tipo de agressão. Qualquer expressão dessa dor é desqualificada como vitimização e frescura. Tem algo muito errado conosco.
Talvez nosso esforço civilizatório (que quer dizer contra nossa barbárie) tenha que ser tão ininterrupto até que se tenha algum horizonte de alívio nesse instinto de morte que não mais nos assombra, pelo contrário: tomou conta de quase todos.
Mais do que nunca os espaços de fala devem ser multiplicados. Essas crianças precisam se sentir seguras para falar o que passam no seu dia a dia. Precisamos largar mais o celular e ouvir nossas crianças. Voltar a brincar com elas. Tirar o tablet da mão e contar histórias. Sair da internet e apresentar boa literatura. Dar tempo e ter tempo. Diminuir atividades individualistas e competitivas e fazer mais passeio coletivo pela natureza. Banho de mãe (era de mar, o corretor colocou mãe...deixei assim), amor de pai. Sair com o irmão, ver TV todos juntos. Todas essas situações criam ambientes de segurança onde a palavra se sente segura para sair.
Vamos esperar quanto tempo mais? Quantas crianças precisarão fazer essa "passagem ao ato" (termo psicanalítico para o ato mais extremo: suicidar-se) para nos darmos conta do nosso papel nisso?
Estamos banalizando o sofrimento alheio numa escala que de sadia não tem nada, pois é fácil tirar o corpo fora e culpar o sistema. Tá na hora de acordar.
Psicanálise pura e simples assim.
Crica Viegas
Notícias como essa estão cada vez mais indo para um lugar que deveria ser impensável: o lugar comum. O suicídio juvenil, algo que se via com muito alarme em notícias não tão frequentes, até porque a imprensa em geral tinha um acordo tácito de não divulgação desse tipo, virou uma epidemia alardeada aos milhares nas redes sociais.
Parece que, desde pequenos, na escola, nossas crianças não estão conseguindo elaborar o chamado "narcisismo das pequenas diferenças": aquilo que vejo no outro como num espelho e rejeito impiedosamente, rechaçando esse outro que, na verdade, é parte do que eu mesmo sou.
Crianças cada vez mais novas têm tirado a própria vida por não suportarem a prática da maldade contra elas por iguais como algo natural, maldade essa que vai das palavras a atos físicos de violência. O sentimento de humilhação não tem nem tempo cronológico de ser elaborado, pois em menos de 24 horas ele será reforçado, quando chegar na escola no dia seguinte.
Não podemos mais negar que, após a era dourada do humanismo pós-guerras, estamos retornando ao nosso estado brutal, ao nosso instinto de destruição mais primitivo, cada vez mais civilizados em tecnologias e bens materiais e barbarizados nos sentimentos. Tanto desenvolvimento e tanta violência: essa conta não fecha.
Numa atmosfera onde impera a brutalidade, salvam-se justamente esses: os que encontram na agressividade uma forma de comunicação deformada, como se fosse um disco ao contrário, no qual aparece um idioma ininteligível e meio assustador.
Freud disse que justamente a inteligência da humanidade era a qualidade que a salvava de seus piores instintos. Estamos emburrecendo e ficando tão embrutecidos a ponto de não enxergar o mal que tantas vezes praticamos sorrindo?
O significante bullying entrou em nosso vocabulário e parece que nos acostumamos com ele a partir daí. Por mais que se façam campanhas nas escolas e outros lugares frequentados por crianças e jovens, há um imenso movimento contrário chamando de mimimi a dor de quem sofre esse tipo de agressão. Qualquer expressão dessa dor é desqualificada como vitimização e frescura. Tem algo muito errado conosco.
Talvez nosso esforço civilizatório (que quer dizer contra nossa barbárie) tenha que ser tão ininterrupto até que se tenha algum horizonte de alívio nesse instinto de morte que não mais nos assombra, pelo contrário: tomou conta de quase todos.
Mais do que nunca os espaços de fala devem ser multiplicados. Essas crianças precisam se sentir seguras para falar o que passam no seu dia a dia. Precisamos largar mais o celular e ouvir nossas crianças. Voltar a brincar com elas. Tirar o tablet da mão e contar histórias. Sair da internet e apresentar boa literatura. Dar tempo e ter tempo. Diminuir atividades individualistas e competitivas e fazer mais passeio coletivo pela natureza. Banho de mãe (era de mar, o corretor colocou mãe...deixei assim), amor de pai. Sair com o irmão, ver TV todos juntos. Todas essas situações criam ambientes de segurança onde a palavra se sente segura para sair.
Vamos esperar quanto tempo mais? Quantas crianças precisarão fazer essa "passagem ao ato" (termo psicanalítico para o ato mais extremo: suicidar-se) para nos darmos conta do nosso papel nisso?
Estamos banalizando o sofrimento alheio numa escala que de sadia não tem nada, pois é fácil tirar o corpo fora e culpar o sistema. Tá na hora de acordar.
Psicanálise pura e simples assim.
Crica Viegas
Comentários